Ø Análise do poema: “Prece”
Nesta segunda parte da obra que nos propomos analisar celebram-se personalidades e acontecimentos que, graças ao poder criador do sonho, tornaram possíveis os Descobrimentos e a consolidação do Império.
Este poema localiza-se no final da segunda parte da obra, após a “Última Nau”. Depois do poeta nos apresentar o percurso grandioso de Portugal, exactamente graças ao poder criador do sonho.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, de quatro versos (quadras). Quanto ao metro os versos são irregulares. Os versos são constituídos predominantemente por oito e dez sílabas (sendo portanto octossílabos e decassílabos, respectivamente). O ritmo deste poema confere-lhe um tom alto e sublimado próprio do poema épico. A rima é cruzada, segundo o esquema abab, cdcd, efef. Merecem ainda destaque neste campo as sonoridades que são nasais e apontam para uma certa nostalgia e tristeza.
O tema desta composição poética pode dizer-se que é a súplica a alguém (D. Sebastião, Deus ou D. Sebastião divinizado) para que devolva ao povo português a chama oculta debaixo das cinzas. O título do poema Prece remete-nos de imediato para aquele tema.
O sujeito poético inicia o poema com uma apóstrofe ao Senhor, que aqui pode ser identificado com várias entidades, referindo-se a um tempo de grandeza anterior como já mencionámos. A esse tempo de grandeza sobreveio a noite e a pequenez de espírito “a alma é vil”. Este espírito desprezou o valor da grandeza do passado. Talvez se entendermos o vocativo inicial como uma invocação a Deus e ao poder divino, talvez se possa entender que só a divindade poderá transformar tudo.
A expressão “a noite veio”, implica a existência prévia do dia e a passagem deste a noite. Se o dia foi o tempo de grandeza, a noite será o tempo de abatimento, tristeza e destruição. No passado situam-se a tormenta “tanta foi a tormenta” e o sonho “ a vontade!”. A frase exclamativa presente no segundo verso confere ao discurso grande emotividade.
As dificuldades foram muitas, mas a atitude assumida pelo povo “ nós” (eu + outros portugueses) foi de vontade para as ultrapassar. O desalento é o sentimento assumido pelo sujeito poético e que deve ser também assumido pelos outros. Resta o silêncio e a saudade, após a conquista do mar. Estamos portanto diante de um Portugal marcado pela indolência “pelo silêncio hostil”, pelo apego às coisas materiais, sem capacidade de sonhar “ a alma é vil” em contraste com um passado de “tormenta e vontade”.
A segunda estrofe introduzida pela conjunção adversativa (mas) opõe-se à primeira estrofe, que começa pela afirmação peremptória do desalento e da conformação com a situação presente em que apenas resta “o mar universal e a saudade”.
Em “A mão do vento”, a metáfora e a personificação demonstram a ideia de que pode erguer-se novamente a chama (a esperança), porque enquanto há vida (“ ainda não é finda”) há esperança. Esta e o sonho podem ainda ganhar força, tal como o fogo quase extinto pode ser reavivado por um sopro, a Alma portuguesa pode ainda levantar-se. A repetição do ainda reforça a ideia de que nada está perdido e de que com uma atitude diferente (a acção do vento) tudo se pode alterar. Note-se a expressão “o frio morto”, em que o adjectivo morto poderá ter um sentido conotativo de ocultar vida renovada, como a Fénix que surge das cinzas.
Na terceira estrofe, em consonância com o título, o sujeito poético, em tom de súplica, pede que um “sopro” divino ajude a atear a “chama do esforço”, ainda que se tenha de pagar com “desgraça” ou suportar o peso da “ânsia”.
Os dois últimos versos deste poema recordam-nos os do poema “Infante”, “ Cumpriu-se o mar, e o Império se desfez! Senhor, falta cumprir-se Portugal!”. A Distância é o caminho para o conhecimento: em primeiro lugar do mar na primeira viagem que indica o império material e agora outra (a nova viagem), que indica o império espiritual. No último verso, reforça-se assim a ideia de que é necessário procurar a identidade e o prestígio nacionais perdidos. Estes dois versos traduzem de facto a crença num futuro risonho.
É interessante lembrar que este poema de doze versos é o 12º da segunda parte da “Mensagem”. Considerando o número doze como símbolo de um ciclo completo que se renova, é fácil perceber que tendo-se cumprido o mar, seja necessário conquistar novamente a “Distância” para que se cumpra Portugal.
Ø O discurso na primeira pessoa:
O poema que estamos a analisar apresenta um discurso na primeira pessoa do plural. Que é visível, por exemplo, nas expressões: “Restam-nos” (v.3), “nós” (v.5); “conquistemos” (v.11) e “nossa” (v.12).
O discurso é na primeira pessoa porque refere-se ao povo português. O desejo/sentimento do sujeito lírico, em jeito de súplica, não é só do poeta mas deve ser de todos nós -portugueses.
Ø As marcas da presença do receptor:
No poema existem marcas/palavras que demonstram a presença de um receptor ao qual o sujeito poético se dirige fazendo um pedido. E essas marcas são as palavras: “Senhor” (v.1) e “Dá” (v.9).
Ø A formulação do pedido:
Fernando Pessoa apresenta este pedido como uma súplica, sob a forma de vento, como é notado nas expressões “Dá sopro” e “a aragem”, como forma de reavivar uma chama aparentemente apagada. Esta súplica é feita no intuito que uma mão divina ajude a erguer novamente um clarão remanescente ao olhar humano. E será esta pequena aragem, este inabalável sopro que fará toda a diferença. Irá consistir assim num reaprender de ideias, de conquistas.
Ø Os tempos verbais predominantes nessas estrofes:
Ao longo do poema a “Prece” predomina ao longo das suas três estrofes tempos verbais no presente do indicativo e o futuro, mas também faz referência a marcas passadas. Estão presentes em expressões como “a noite veio e a alma é vil”/”Tanta foi a tormenta”; “Resta-nos hoje”; “que a vida em nos criou”; ”pode erguê-la”; “E outra vez conquistemos…”. É assim entendido como algo que se necessita hoje e que se espera que emirja amanhã; algo de revolucionário que se apresente ao nosso ser.
Ø A simbologia da “noite”:
Para os Gregos, a noite era a filha do Caos e a mãe do Céu (Urano) e da Terra (Gaia). Ela gerou também o sono e a morte, os sonhos e as angústias, a ternura e o engano. As noites eram com frequência prolongadas à vontade dos Deuses, que paravam o Sol e a Lua a fim de melhor realizarem os seus desígnios.
A noite percorre o céu, envolta num véu sombrio, num carro atrelado com quatro cavalos negros, com o cortejo das suas filhas, as Fúrias, as Parcas. Imola-se a esta divindade ctoniana uma velhinha negra.
Entre os Maias o mesmo glifo servia para designar a noite, o interior da Terra e a morte (THOH).
A noite é, na concepção celta do tempo, o começo da jornada, assim como o Inverno é o princípio do ano. A duração legal da noite e do dia corresponde, na Irlanda, a 24 horas e, simbolicamente, à eternidade.
O nome galês da semana é, etimologicamente, oito noites.
A noite simboliza o tempo das gestações das germinações, das conspirações que desabrocharão em pleno dia como manifestação de vida. É rica em todas as virtualidades de existência. Porém, entrar na noite é regressar ao indeterminado, onde se misturam pesadelos e monstros, as ideias negras. A noite é a imagem do inconsciente e, no sono da noite, o inconsciente liberta-se.
Como qualquer símbolo, a noite apresenta um duplo aspecto: o das trevas onde fermenta o futuro, e o da preparação do dia, donde brotará a luz da vida.
Na teologia mística, a noite simboliza o desaparecimento de todo o conhecimento distinto, analítico, exprimível; mais ainda, a privação de toda a evidência e de todo o apoio psicológico. Por outras palavras, como obscuridade, a noite é própria para a purificação do intelecto, enquanto que vazio e despojamento dizem respeito à purificação da memória, aridez e secura, à purificação dos desejos e afectos sensíveis, e até das aspirações mais elevadas.
Neste poema, a “noite” pode ser vista sobre dois distintos pontos de vista.
De um primeiro ponto pode ser vista como as trevas, devido à situação em que a nação se encontra, porque mesmo com o seu futuro “fermentando” esta continua na sombra, na obscuridade.
Por outro lado pode ser vista como a preparação do dia donde brotará a luz da vida, ou seja, a preparação daquilo que será o glorioso futuro de Portugal, o seu domínio cultural, a reconstrução da sua essência do seu império.
Ø A expressividade da repetição do termo “ainda”:
O termo “ainda” que aparece repetido ao longo da segunda estrofe remete-nos para uma sensação de esperança, de glória vindoura. Com este termo temos a possibilidade de ter uma réstia de esperança para erguer o quinto império, nem tudo está perdido e com empenho e dedicação tudo se conseguirá.
Apenas falta uma pessoa para iniciar o império, ser o impulsionador.
Ø A isotopia da esperança:
A palavra isotopia provém de uma outra, isótopo; esta consiste em átomos com o mesmo número atómico mas diferentes massas atómicas. A palavra ”isótopo”, que significa no mesmo sítio, vem do facto de que os isótopos se situam no mesmo local na tabela periódica.
Relacionando agora com o poema, refere-se ao facto do átomo ser uma partícula extremamente pequena e, como tal, neste contexto a pequena partícula é a chama.
No meio de toda a frustração, do desânimo, espera-se que uma súbita aragem volte a erguer o que se havia perdido até então, ou seja, que consiga pôr novamente sobre alicerces suficientemente fortes para aguentar todo o erguer de uma nação.
Ø O prenúncio[1] do quinto império:
No texto podemos denotar um certo incentivo ao quinto império, nomeadamente na terceira estrofe, onde temos expressões como: “com que a chama do esforço se remoça, / E outra vez conquistemos a Distância - / Do mar ou outra, mas que seja nossa!”, que na nossa opinião é um claro prenúncio* ao glorioso Portugal que se irá reerguer (quinto império), e com “a chama do esforço” tudo se conseguirá, com o esforço da cultura, não das armas, porque estas já não levam a lado algum. Apesar de todos os obstáculos que existem a separar-nos deste objectivo a “distância” será novamente conquistada.
Ø A expressividade dos recursos estilísticos utilizados:
O sujeito poético inicia o poema com uma apóstrofe ao “Senhor”, uma espécie de chamamento do receptor a quem é destinado o discurso.
Em “A mão do vento”, a personificação aqui existente simboliza a ideia de que uma mão divina vai fazer com que a chama se reacenda. Também é visível o emprego de substantivos abstractos, nomeadamente, “tormenta”, “vontade”, “silêncio”, “saudade”, “desgraça”, “ânsia”, “esforço”. É também de realçar a presença de adjectivos como “alma é vil”, “silêncio hostil”.
A anáfora da palavra “ainda” reforça a ideia de que nada está perdido e de que com uma atitude diferente (a acção do vento) tudo se pode alterar.
Ø Semelhanças/diferenças do poema pessoano face à epopeia camoniana:
Na epopeia, Camões elogia um herói passado. Escreveu-a numa altura em que o país entrava em decadência de valores e pretendia tornar o povo português um herói universal. Por outro lado, Pessoa quer divulgar a língua e cultura portuguesas, tornando-se mundiais. Pessoa pretende “adivinhar” um futuro grandioso. No entanto, para que Portugal alcance esta glória e se expanda pelo mundo, ambos pedem ajuda divina, suplicando aos deuses que auxiliem Portugal na conquista do mar.
Ø Justificação para a localização do poema na obra pessoana:
O poema “Prece” está localizado na parte final do “Mar Português” da “Mensagem”, pois aqui fecha-se este ciclo de tentativa de transmitir a palavra com uma invocação do poeta à intervenção divina. Fernando Pessoa afirma que os portugueses venceram tantos obstáculos que hoje perderam a valia. No entanto, tal como um sopro pode reavivar um fogo tão extinto, também a Alma Portuguesa pode levantar-se para que seja de novo grande entre as Nações (“E outra vez conquistemos a Distância”). Então este poema é ideal para encerrar esta parte da “Mensagem”. Sendo “Mar Português” a visão mística da história, Pessoa quer mostrar que “o mar é nosso”, que os Portugueses foram os primeiros a conquista-lo, que ele é o caminho para a perfeição.
Ø Fénix
A Fénix (em grego ϕοῖνιξ) é um pássaro da mitologia grega que quando morria entrava em auto-combustão e passado algum tempo renascia das próprias cinzas. Outra característica da Fénix é a sua força que a faz transportar em voo cargas muito pesadas, havendo lendas nas quais chega a carregar elefantes.
Fénix, é o mais belo de todos os animais fabulosos, simbolizava a esperança e a continuidade da vida após a morte. Revestida de penas vermelhas e douradas, as cores do Sol nascente, possuía uma voz melodiosa que se tornava triste quando a morte se aproximava. A impressão que a sua beleza e tristeza causava nos outros animais, chegava a provocar a morte deles.
Segundo a lenda, apenas uma Fénix podia viver de cada vez. Hesíodo, poeta grego do século VIII a.C., afirmou que esta ave vivia nove vezes o tempo de existência do corvo, que tem uma longa vida. Outros cálculos mencionaram até 97.200 anos.
Quando a ave sentia a morte aproximar-se, construía uma pira de ramos de canela, sálvia e mirra em cujas chamas morria queimada. Mas das cinzas erguia-se então uma nova Fénix, que colocava piedosamente os restos da sua progenitora num ovo de mirra e voava com eles à cidade egípcia de Heliópolis , onde os colocava no Altar do Sol. Dizia-se que estas cinzas tinham o poder de ressuscitar um morto. O devasso imperador romano Heliogábalo (204-222 d. C.) decidiu comer carne de Fénix, a fim de conseguir a imortalidade. Comeu uma ave-do-paraíso, que lhe foi enviada em vez de uma Fénix, mas foi assassinado pouco tempo depois.
Actualmente os estudiosos crêem que a lenda surgiu no Oriente e foi adaptada pelos sacerdotes do Sol de Heliópolis como uma alegoria da morte e renascimento diários do astro-rei. Tal como todos os grandes mitos gregos, desperta consonâncias no mais íntimo do homem. Na arte cristã, a Fénix renascida tornou-se um símbolo popular da ressurreição de Cristo.
Curiosamente, o seu nome pode dever-se a um equívoco de Heródoto, historiador grego do século V a.C.. Na sua descrição da ave, ele pode tê-la erroneamente designado por Fénix (phoenix), a palmeira (phoinix em grego) sobre a qual a ave era nessa época representada.
Simbologia e história
A crença na ave lendária que renasce das próprias cinzas existiu em vários povos da antiguidade como gregos, egípcios e chineses. Em todas as mitologias o significado é preservado: a perpetuação, a ressurreição, a esperança que nunca têm fim.
Para os gregos, a fénix por vezes estava ligada ao deus Hermes e é representada em muitos templos antigos. Há um paralelo da fénix com o Sol, que morre todos os dias no horizonte para renascer no dia seguinte, tornando-se o eterno símbolo da morte e do renascimento da natureza.
Os egípcios a tinham por "Benu" e estava sempre relacionada a estrela "Sótis", ou estrela de cinco pontas, estrela flamejante, que é pintada ao seu lado.
Na China antiga a fénix foi representada como uma ave maravilhosa e transformada em símbolo da felicidade, da virtude, da força, da liberdade, e da inteligência. Na sua plumagem, brilham as cinco cores sagradas.
No ínicio da era Cristã esta ave fabulosa foi símbolo do renascimento e da ressurreição. Neste sentido, ela simboliza o Cristo ou o Iniciado, recebendo uma segunda vida, em troca daquela que sacrificou pela humanidade.
Ø Objecto: Cinzas
Escolhemos cinzas como símbolo do nosso trabalho porque se relacionarmos o significado que elas têm no poema com o significado que tiveram ao longo dos tempos na história, podemos vê-las como imagem da nação em ruínas; vestígio do que em tempos foi, mas no entanto a sua essência permanece a mesma, só que adormecida, esquecida. Olhamos para as cinzas e são o que sobrou do corpo (da nação) e não o vemos, mas não deixou de o ser, permanece. Até que ganhe nova alma e das cinzas renasça o ser que existia com todo o seu esplendor, glória e essência.
Neste caso podemos dizer que mesmo estando Portugal adormecido, “em cinzas” basta estas voarem, ou seja os portugueses sonharem e acreditarem no sonho para que delas nasça um Portugal ainda maior do que o deu origem às cinzas. Um Portugal onde impere a cultura, a sabedoria, os valores/os ideais justos, a perfeição e a humanidade.
Ø Música: Mariza- “Meu fado meu”
Trago um Fado no meu canto
Canto a noite até ser dia
Do meu povo, trago pranto
No meu canto a Mouraria
Tenho saudades de mim
Do meu amor mais amado
Eu canto um país em fim
O mar, a terra o meu Fado
O meu Fado, meu Fado, meu Fado
Meu Fado, meu Fado
De mim me falto Eu
Senhora da minha vida
Do sonho digo que é meu
E dou por mim já nascida
Trago um Fado no meu canto
Na minha alma vem guardado
Vem por dentro do meu espanto
A procura do meu Fado
O meu Fado, o meu Fado
O meu Fado, meu Fado
Meu Fado, meu Fado
Meu Fado, meu Fado
Meu Fado
Meu Fado, meu Fado
Meu Fado, meu Fado…
[1] Enunciar uma coisa futura
Grupo III
Alexandra, Bárbara, César e Rui Monteiro.
sábado, 8 de março de 2008
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